Sobre ser mãe

quarta-feira, outubro 07, 2015 Ana Luisa Maya Uludüz 0 Comments


Quando eu era solteira e sem filhos, o máximo das minhas inquietações era o prazo a ser cumprido no trabalho, conseguir os tickets para o próximo show dos Rolling Stones, qual a roupa usar pr'aqueles encontros, planejar a próxima viagem. Estando os amigos e família em plena saúde, todos bem, eu e meu mundo descomplicado íamos seguindo.
Parir o primeiro filho é quebrar todas as regras, paradigmas e problemas que eu pensava ter antes de ser mãe. É um renascer, o filho sai e você e está ali, nova, desprotegida e assustada como ele. A partir daquele momento, cada mãe segue seu rumo particular. Eu fui daquelas que se desesperou nos primeiros dias, não sabia amamentar. Aquela pequenininha, cabeluda e zangada, só fazia chorar e eu também. Mas consegui, fui por quase dois anos fonte inesgotável de leite e carinho. Dormí juntinho a sentir o cheiro dos cabelos, que com poucos meses já faziam cachos largos. Beijei muito, cada pedacinho, dobrinha daquela pele macia, vi os dentinhos crescerem, os pés ensaiando os primeiros passos. Os sorrisos, tantos, muitos. Tenho a sorte de estar presente em cada momento especial de minhas duas filhas, em cada birra, em cada choro. Posso acordar no meio da noite para dar banho por causa da febre, posso dar um cantinho ao meu lado num abraço forte depois do pesadelo. 
Aceitar a ideia de que um dia eles crescem e voam não é tarefa fácil, assim como dar espaço para outros papéis em nossas próprias vidas é quase um outro parto. Expelir o que estava dentro de si enquanto era só mãe; a mulher, a amante, a menina, a criança. Guardados sempre, em standby para alguma grande estreia que pudesse ocorrer no espetáculo da vida. Meu momento chegou de mansinho... Fui acordando pra mim mesma, lapidando meus desejos, habilidades, despertando sentimentos e sensações, como se o fato de ser mãe já não englobasse todos os sentimentos e sensações do universo, sendo mãe descobri que posso ser mais do que era antes, me superar, me desafiar.
Nesta semana o desafio será imenso: depois de 7 anos e meio de convivência intensiva com minhas filhas, viajarei sozinha, sem elas. Atravessarei um oceano sem elas. Passarei quatro dias e quatro noites inteiras sem elas. Não farei suas comidinhas, nem banho, nem os deveres de casa, não as verei ao acordar. Sei que estarão ótimas com o pai, que se desdobrará para ser nós em minha ausência e que o desempenhará brilhantemente. Mas algo pulsa em mim, uma dor fina, longa, como um fio. O cordão umbilical que parece que nunca foi cortado. A experiência precoce e por um lapso do que um dia pode ser pra vida toda. Sem tentar ser dramática, mas um dia elas nos escaparão das mãos. Nesse momento eu as deixo um pouquinho, exercito o meu desprendimento, deixo o cordão elástico e solto, nutrindo-as com meu amor de mãe que nunca seca, nunca se acaba. Mas é uma separação e por si só já é difícil.
Cada uma está a reagir a sua maneira. A mais nova está tensa e ansiosa, e já chorou algumas vezes com a ideia de que eu a "deixarei". Com muito carinho e conversa tem tentado entender que num piscar de olhos aqueles dias que parecerão eternos vão passar. A mais velha me fez esse desenho, o retrato da mãe mais linda do mundo, segundo ela, que se auto-denomina "Mini Picaço" (com licença poética para a ortografia do nome).  Me atentei para os olhos, enormes. Por um segundo achei que era a atriz Emma Stone! Mas são olhos de mãe, abertos, alertas, que vêem tudo, até a tentativa de deitar no lixo metade do jantar sorrateiramente. O colar da mãe vaidosa, os cabelos penteados, o sorriso de "tudo vai ficar bem". Elas me conhecem, sabem a cadência do meu coração melhor que eu. E nós ficaremos bem.

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